Em 1906, Alberto Santos-Dumont encantou o mundo com o voo da primeira aeronave com propulsão ativa. Era o início de uma era em que motores se juntaram às superfícies aerodinâmicas, universalmente simbolizadas pelas asas, para moldar o voo na atmosfera tal como conhecemos hoje.
Ao longo de mais de um século de aviação, à medida que desafios surgiam, maior era a engenhosidade de cientistas e engenheiros. Foi assim que, dos pioneiros dispositivos a pistão (de combustão interna) aos modernos jatos (ou motores a reação), passando pelos recentes avanços dos motores elétricos, o sonho de todo aviador - ir mais rápido, mais longe e mais alto - foi sendo atendido pelo desenvolvimento de novos motores.
Mesmo para as mais incríveis máquinas, no entanto, a natureza sempre foi implacável com seus limites. Ir mais rápido significava transpor a barreira do arrasto; mais alto, o limite do oxigênio, essencial para a queima dos combustíveis; mais longe, o desafio de aeronaves mais leves.
O que parecia ser o fim da linha, contudo, tornou-se um novo ponto de partida com o surgimento, a partir do pós-guerra, da Hipersônica Aspirada, área do conhecimento responsável pelo desenvolvimento de motores e aeronaves capazes de operar em velocidades acima de Mach 5 (mais rápido), além do limite de 10 km de altitude (mais alto) e com o aproveitamento do oxigênio atmosférico, sem necessidade de embarcá-lo (mais longe). E, a exemplo de Santos-Dumont, uma vez mais o Brasil é um dos protagonistas dessa história, cujo enredo pode ser acompanhado, diariamente, nas páginas e sites da mídia nacional e internacional.
Desde meados da década de 1990, a Força Aérea Brasileira (FAB), por meio do Instituto de Estudos Avançados (IEAv), organização militar de natureza técnico-científica pertencente ao Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), com sede em São José dos Campos (SP), mantém pesquisas ativas na área de tecnologias hipersônicas aspiradas.
Em 2008, como maneira de coordenar e consolidar os esforços, foi criado o Projeto de Propulsão Hipersônica 14-X, PropHiper, cuja missão consiste em desenvolver uma plataforma de demonstração de duas tecnologias críticas para o domínio da Hipersônica Aspirada: o motor do tipo scramjet e a superfície aerodinâmica waverider. Como resultado, o veículo integrado scramjet-waverider será capaz de atingir dez vezes a velocidade do som, cerca de 12 mil quilômetros por hora, a 30 quilômetros de altitude, posicionando o Brasil ao lado de nações como Estados Unidos, Japão, Austrália, Rússia, França e China, que igualmente dispõem de pesquisas e desenvolvimentos na área.
Para atingir seu objetivo, o Projeto PropHiper foi dividido em quatro grandes etapas, que correspondem aos ensaios em voo dos principais subsistemas do veículo integrado, denominado 14-X W. Em cada ensaio, a gerência do Projeto estabeleceu a utilização de Demonstradores de Tecnologia, artefatos construídos especificamente para a demonstração do funcionamento dos subsistemas durante o voo hipersônico.
A primeira entrega corresponde à realização da Operação Cruzeiro, em que a plataforma de demonstração do motor hipersônico aspirado, batizada de 14-X S, será levada até sua condição de partida, a cerca de 7.500 km/h na estratosfera terrestre, por um Veículo Acelerador Hipersônico (VAH), baseado no foguete de sondagem VSB-30, o 32º da série, construído pelo Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE).
A construção do 14-X S se deu pela contratação da Orbital Engenharia, empresa nacional com vasta experiência em projetos do setor aeroespacial, ao passo que suas inspeções e ensaios de qualificação e de aceitação para o ensaio em voo foram conduzidos por meio de parcerias com o IAE, e com o Instituto de Fomento e Coordenação Industrial (IFI).
Completando o esforço conjunto em prol da Operação Cruzeiro, o 14-X S será lançado a partir do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) que, além de dispor de infraestrutura única para lançamento e rastreamento, apresenta naturalmente uma localização privilegiada, capaz de oferecer um vasto “corredor de voo”, sobre o Oceano Atlântico. Ainda em apoio à Operação, o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI) será utilizado como uma estação remota para rastreio redundante da trajetória. Assim, a Operação Cruzeiro fecha um ciclo de pouco mais de uma década de esforços sistemáticos no estabelecimento das bases para o desenvolvimento de tecnologias hipersônicas, ao mesmo tempo em que dá início a um novo ciclo inédito da hipersônica aspirada em solo nacional.
Fonte: IEAv
Fotos: DCTA / IEAv